Ponte Salvador-Itaparica : os perigos à Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim

por Marcos Rodrigues
 

A construção da Ponte Salvador–Itaparica e de seus acessos na região de Água de Meninos cria um conjunto de riscos diretos e indiretos ao patrimônio histórico representado pela Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, situada a apenas 350 metros da futura cabeceira e inserida em um contexto urbano extremamente sensível. Embora seja um bem tombado federal desde 1938, o conjunto não foi adequadamente considerado nos estudos de impacto, o que amplia ainda mais a vulnerabilidade.

Os principais perigos são os seguintes:


1. Impacto visual e perda de ambiência histórica

A implantação de grandes viadutos, rampas e túneis altera profundamente a paisagem da Cidade Baixa, criando barreiras físicas e visuais que interferem na leitura histórica do conjunto. A Casa Pia depende de uma ambiência aberta e legível para a fruição de seu valor cultural; viadutos de grande porte competem com essa escala e degradam a sua presença urbana.


2. Vibrações, ruído e riscos estruturais durante as obras

A construção envolve estacamento, compactação pesada e movimentação de máquinas de grande porte, tecnologias capazes de transmitir vibrações a longas distâncias — especialmente em áreas de aterro antigo e solos moles, como os da Cidade Baixa. Edificações históricas, construídas com técnicas tradicionais (pedra, cal, argamassa frágil), são especialmente sensíveis a microfissuras e recalques.


3. Intensificação do tráfego pesado no entorno

Após a conclusão da obra, o fluxo estimado de 20–28 mil veículos por dia, incluindo caminhões, cria uma fonte contínua de vibração e poluição atmosférica, além de aumento de ruído. A operação constante em vias elevadas próximas tende a acelerar processos de degradação física e dificultar intervenções de manutenção no patrimônio.


4. Degradação do entorno urbano e isolamento do patrimônio

A criação de um nó viário de grandes proporções tende a desarticular o tecido urbano ao redor da Casa Pia, tornando o acesso de pedestres mais difícil, reduzindo sua visibilidade pública e contribuindo para o isolamento simbólico do monumento. Patrimônios isolados e sem vitalidade ao redor degradam mais rapidamente e perdem importância cívica.


5. Ameaça à integridade paisagística da Cidade Baixa

O conjunto é parte do sistema histórico que articula Calçada, Comércio e Cidade Baixa. A inserção de infraestrutura pesada sem tratamento urbano reforça processos de fragmentação da paisagem, diminuindo a capacidade de interpretar a evolução histórica da cidade — um dos valores protegidos pelo IPHAN.


6. Falha no licenciamento: ausência de Estudo de Impacto ao Patrimônio Cultural (EIPC)

O fato de nenhum estudo específico ter analisado os efeitos da obra sobre o bem tombado agrava todos os riscos acima. A falta de parecer prévio do IPHAN compromete a segurança técnica do projeto e abre espaço para danos irreversíveis ao patrimônio, uma vez que não foram definidos critérios de mitigação, monitoramento ou compensação.

Conclusão


A Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim enfrenta riscos sérios decorrentes das obras da ponte: perda de ambiência, danos estruturais por vibração, degradação do entorno, isolamento urbano e invisibilidade cultural. A ausência de análise patrimonial nos estudos oficiais amplia o perigo e indica uma lacuna crítica no processo de licenciamento. Sem revisão do projeto ou exigência de medidas de proteção, o conjunto histórico pode sofrer impactos permanentes.

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