A pergunta é simples: os furtos e roubos em Salvador se concentram nos pontos turísticos?
O cruzamento entre dados oficiais, imprensa local e leitura urbana aponta que a resposta tende a ser sim, em boa medida.
De um lado, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) disponibiliza um Painel Estatístico da Segurança Pública, com dados consolidados de crimes contra a vida e contra o patrimônio em todo o estado.
De outro, reportagens recentes mostram uma concentração importante de ocorrências ao longo da orla e em áreas de forte apelo turístico.
Uma matéria do Correio 24 Horas mostra que, só no primeiro semestre de 2024, a orla de Salvador registrou 705 roubos, segundo dados da própria Polícia Civil. A Barra lidera com 172 registros, seguida por Rio Vermelho (161), Ondina (95) e Pituba (64), além de Itapuã e outros trechos litorâneos.
Ou seja: quando olhamos para os lugares que compõem o imaginário turístico da cidade, encontramos também um dos principais tabuleiros do crime patrimonial.
Orla e centro histórico: cartões-postais sob pressão
- 705 roubos em seis meses;
- concentração em bairros de alto fluxo de pedestres e visitantes (Barra, Rio Vermelho, Ondina, Pituba e Itapuã).
No Centro Histórico, outro conjunto de dados ganhou repercussão: segundo matéria baseada em números da SSP-BA, os roubos no Pelourinho e entorno teriam registrado queda de 56% no 1º trimestre de 2024 em relação ao mesmo período de 2023 — uma melhora estatística importante, mas ainda sobre um patamar que preocupa comerciantes e moradores.
Em paralelo, relatos de imprensa e de TV local seguem mostrando assaltos recorrentes a turistas e trabalhadores nas imediações do Centro Histórico, com moradores apontando rotas de fuga pelas ladeiras que conectam o Pelourinho à Baixa dos Sapateiros.
O quadro que emerge é mais ou menos este:
orla atlântica + centro histórico + bairros boêmios formam um eixo onde lazer, turismo e crime patrimonial se encontram.
Não é só Salvador: o padrão da “via pública”
Em escala mais ampla, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 e reportagens derivadas mostram que, no Brasil, quase dois celulares são roubados ou furtados por minuto.
Salvador aparece entre as grandes cidades com maiores taxas de roubo e furto de celulares, o que reforça que a experiência urbana aqui é atravessada por uma sensação constante de vulnerabilidade nas ruas.
A maior parte desses crimes ocorre em via pública, em horários de deslocamento e lazer — justamente quando a cidade está “em uso”.
Por que os pontos turísticos viram alvo?
Alguns fatores ajudam a entender essa concentração:
- Densidade de alvos: orlas, largos e praças turísticas concentram pedestres, celulares, bolsas, câmeras. A “oferta” de bens à vista aumenta.
- Desatenção estrutural: turistas (e moradores em modo lazer) fotografam, consultam mapas, caminham devagar. A atenção se volta para a experiência, não para o entorno.
- Horários críticos: o entardecer e a noite — pôr do sol na Barra, bares no Rio Vermelho, shows no Pelourinho — coincidem com os períodos em que o crime patrimonial ganha terreno.
- Rotas de fuga: vielas, escadarias, ruas transversais pouco iluminadas e até trechos de mar e encostas funcionam como corredores rápidos de escape.
- Iluminação e vigilância desiguais: pontos muito iluminados e policiados convivem com trechos-sombra, onde o comércio fecha cedo e a presença de pedestres cai rapidamente.
Cidade turística, cidade vulnerável?
A mesma Salvador que se vende ao mundo pelo Farol da Barra, pelas praias de Itapuã, pelos largos do Rio Vermelho e pelo casario do Pelourinho é também uma cidade em que o pedestre negocia permanentemente sua própria segurança.
Ler os números, os mapas oficiais e as narrativas da imprensa é um primeiro passo. O seguinte — que interessa diretamente ao urbanista — é perguntar:
Que desenho de espaço público, de usos, de iluminação e de presença institucional pode reduzir a geografia do risco, sem esvaziar a vitalidade dos lugares que fazem Salvador ser o que é?
Esse texto é um recorte dessa pergunta maior. A cidade turística e a cidade real não são duas: são a mesma, vista de ângulos diferentes — inclusive o do crime patrimonial.
Dados e referências consultados até novembro de 2025.
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