Porque a sua rua não é segura

 


Você se sente seguro passeando com seu cãozinho na rua em que mora, depois das 20h? Ou dando uma volta com seu namorado ou namorada no quarteirão nesse mesmo horário? Seus filhos pequenos podem ficar sozinhos na calçada em frente à sua casa durante o dia? E você, fica tranquilo esperando um táxi ou Uber na calçada em frente à casa com um celular na mão?  

Talvez você more numa rua de casas ou num condomínio fechado. Pode morar num conjunto residencial ou num edifício com portaria 24h. Ou ainda num pequeno edifício com controle de acesso eletrônico. Pode ser uma rua estreita ou uma grande avenida; uma área com outros usos ou exclusivamente residencial. Pode ser um local com boa iluminação noturna ou não. 

Em todos esses casos, a sensação de segurança vai passar por aspectos que levam em conta o cotidiano coletivo, como a incidência de crimes em determinadas ruas, bairros ou cidades, ou mesmo percepções pessoais de insegurança à partir de experiências pregressas. Em todos esses casos, no entanto, o desenho do espaço físico, construido, vai interferir no aumento ou diminuição dessa sensação. E, independente de índices de criminalidade, vai desempenhar um papel importante na maior ou menor probabilidade de sermos inseridos nessas estatísticas. 

Evidentemente não estou falando aqui dos crimes intencionais, letais ou não, que são planejados. Ou crimes passionais. Ou mesmo de crimes perpetuados por organizações criminosas em disputas de territórios, que inflam as estatísticas de homicídios e que podem ser mapeados. Esses demandam ações concretas do Estado e de forças policiais. O que falo aqui é do crime de oportunidade, do assalto de ocasião, da extorsão por violência velada para o uso dos espaços coletivos, do vandalismo. Enfim, da insegurança cotidiana que atormenta a todos e que é particularmente crônica no nosso país.     

Mas o que tem a ver desenho urbano ou arquitetônico com sensação de segurança ou prevenção de crimes? A resposta é: muita coisa. Uma boa maneira de começar a pensar no assunto é imaginar porque algumas ruas num mesmo bairro são mais seguras que outras. Ou, no mínimo, passam essa sensação de segurança. Muitas vezes são ruas contíguas, separadas apenas por uma esquina. O que afasta, num primeiro momento, o pensamento simplista sobre questões sociais. Ou das diferenças entre bairros nobres e populares. Ou mesmo da presença de segurança pública ou privada. Aqui em Salvador, de onde escrevo, uma região popular do Centro, como o Largo Dois de Julho, é muita vezes mais segura, durante o dia ou à noite, do que qualquer rua do Horto Florestal ou da Pituba, bairros onde os metros quadrados são muito mais caros.

O que faz a diferença, então? Algumas características da configuração arquitetônica e urbanística, a essa altura já razoavelmente conhecidas e estudadas há, pelo menos, uns 50 anos. De forma resumida pode-se citar: a variedade ou não dos tipos de uso do solo (residencial, comercial, misto etc); a existência ou não de atividades acontecendo no nível térreo; a permeabilidade visual das fachadas ou elementos de delimitação (grades, muros), que permite ver e ser visto; a qualidade das calçadas; a iluminação natural e noturna; a definição clara de áreas públicas, semi-públicas e privadas; a manutenção dos edifícios e dos equipamentos públicos e, não menos importante, algum senso de comunidade que dá a muitas ruas um sentimento de pertecimento e territorialidade. Ficando ainda em Salvador, esse último aspecto pode ser percebido numa rua como a Direita do Santo Antônio, no Centro Histórico da cidade.

A resposta, então, que explica o porque a sua rua é insegura passa, em boa parte, por muitos desses aspectos arquitetônicos e urbanísticos. O problema pode ter sido criado por um equívoco de origem (legislação urbanística, design ruim), o que é muito comum, ou pela deterioração de alguns daqueles pontos ao longo do tempo. Em todos os casos, sendo questões de design de espaços construídos, quase sempre são passíveis de intervenções que os tornem menos vulneráveis ou, mesmo, mais seguros. 

Nas próximas publicações veremos em detalhes algumas dessas questões.


Comentários